segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Katyń

No dia 17 de Setembro estreou na Polónia, com grande cobertura da comunicação social, o mais recente filme do realizador Andrzej Wajda. Chama-se Katyń. Neste sábado fui vê-lo e devo dizer que é dos melhores que eu já vi.
A história de Katyń não é muito feliz. Katyń é o nome de uma floresta russa, perto de Smolensk, que fica a uns 400km de Moscovo. Neste local deu-se uma das maiores atrocidades da IIª Guerra Mundial perpetrada pelo exército russo.
No dia 17 de Setembro de 1939 (daí a data da estreia ser este dia), os russos atacaram a Polónia, ataque este combinado com o exército nazi. O exército polaco lutou, mas ao ver-se encurralado começou a perder. Durante muito tempo, os polacos esperavam a ajuda de França e do Reino Unido, que nunca chegou, tendo a Polónia ficado à mercê dos que a atacavam. Milhares de militares polacos foram feitos prisioneiros de guerra, uns confiados à guarda dos alemães, e outros à dos russos. Os que foram levados pelos alemães acabaram por ser libertados. Os que foram levados pelos russos tiveram uma sorte um pouco diferente. Estiveram vários meses num campo de prisioneiros de guerra onde esperavam ansiosamente a libertação. A partir de certa altura, todos os dias os militares russos levavam cerca de 200 polacos para a suposta liberdade. Estes polacos não eram apenas militares, havia também engenheiros, professores, escritores, artistas e toda a espécia de intelectuais. Os primeiros a sairem foram os militares de altas patentes. Todos eles foram levados para a floresta de Katyń onde foram assassinados com um tiro na parte de trás da cabeça e enterrados em valas comuns. Eram cerca de 20.000.
Um ano depois, os alemães - que entretanto já tinham quebrado o seu pacto com a Rússia - chegaram até esta região e descobriram as valas comuns com dezenas de milhares de cadáveres de soldados polacos. Num acto de propaganda anti-soviética, levaram até ao local uma equipa de peritos que incluia médicos dos países aliados e da Suíça para analisarem os corpos. Concluiu-se o óbvio: que o exército russo tinha assassinado 20mil prisioneiros de guerra. Só nesta altura os polacos puderam saber o que tinha acontecido aos seus familiares que andavam desaparecidos há quase dois anos. Foi o maior massacre de polacos de toda a guerra.
Entretanto, os russos voltaram a ganhar terreno e os alemães acabaram por perder a guerra. Nesta altura, quando os soviéticos voltaram a Katyń, levaram lá uma nova equipa de peritos (os seus peritos...) que disse que os corpos tinham sido mortos em 1941, ou seja, durante a ocupação nazi daquela região. Logo, a culpa foi dos alemães. No entanto, os polacos bem sabiam de quem era a culpa. Entretanto instalou-se o regime comunista na Polónia e quem quer que dissesse que Katyń tinha sido obra dos russos, era imediatamente levado pela polícia. Durante 50 anos não se pôde falar deste tema.
Gorbachev entretanto admitiu que este massacre tinha sido feito pelo exército soviético e vários documentos que lhe dizem respeito foram entregues ao governo polaco. No entanto, a Rússia recusa qualquer culpa, pois quer proteger alguns dos intervenientes neste crime que ainda estão vivos. O presidente Putin não tem grande interesse em falar no assunto. Ainda agora o presidente da Polónia esteve no memorial de Katyń a lembrar o sucedido e nenhuma delegação da Rússia esteve sequer presente. Pelos vistos, Katyń é ainda uma pedra no sapato.
Agora que já situei no contexto, posso falar do filme. O pai do realizador Andrzej Wajda foi um dos que morreu em Katyń, daí o seu interesse em fazer este filme. Para tal, inspirou-se não só na vida da sua família, mas também num livro chamado Post Mortem, escrito por um homem que conseguiu fugir e não morreu na floresta. Em geral, os militares não fugiram do campo onde estavam porque achavam que iam ser libertados, visto terem o estatuto de prisioneiros de guerra. Enganaram-se. O filme está extremamente bem feito, mostra um lado da guerra que eu desconhecida e sobretudo mostra como as famílias polacas viviam a ausência dos seus entes queridos e os esperavam, mesmo quando não havia qualquer tipo de esperança. Não é o típico filme de guerra, que se concentra só no massacre, mas mostra diferentes perspectivas. Mostra também como no comunismo se castigavam os que diziam que Katyń tinha sido em 1940, logo, da autoria dos soviéticos.
É um filme falado em três línguas (não é à la Hollywood, em que todos falam inglês): em polaco, em alemão e russo (com legendas, claro). Felizmente percebi a maioria do filme e o que não percebia, perguntei. Não é um filme super assustador, como aqueles que mostram Auschwitz ou outras coisas do estilo. Na minha opinião é um filme muito bom. Para os polacos, é mostrar uma realidade que até há poucos anos não se podia falar. Termino apenas dizendo que vi o filme numa sala enorme, tipo S. Jorge, muito boa. Estava cheia. Quando o filme acabou foi arrepiante. Não se ouvia uma palavra na sala. Nem pipocas, nem porcarias do estilo, nem comentários. Acho que as pessoas ainda estavam em choque.
Sei que este filme não vai passar na Rússia de certeza, por ser muito incómodo, mas se ele pudesse passar em outros países da Europa, até em Portugal, acho que valia muito a pena.

2 comentários:

LULA - LUBLANSKI disse...

Olá, gostaria muito de assitir este filme já vi clip ,por acaso já tem dvd , sou Brasileiro e filho neto bisneto etc de Poloneses,meu avô,materno é um dos Herois Poloneses que estão em Katyn , DZIADEK KAROL MIROWICZ,

Anónimo disse...

E enganou-se, e ainda bem, o filme foi passado na televisão russa no canal Kultura :)