quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Arbeit macht frei

Mesmo sem a conhecida placa introdutória do campo de concentração de Auschwitz, comemoram-se hoje os 65 anos da libertação deste campo pelo Exército Vermelho.
No Outono de 1944, os nazis começaram a operação para encerrar Auschwitz, queimando ficheiros, destruindo provas (entre as quais fornos crematórios) e transferindo prisioneiros para campos de concentração na Alemanha. A 27 de Janeiro de 1945, quando o Exército Vermelho chegou, libertou apenas 8 mil prisioneiros, entre os quais 500 crianças, doentes e esfomeadas. Muitos apressaram-se a voltar a casa, outros ficaram em hospitais das redondezas e alguns acabaram por morrer de exaustão.
Hoje, em Auschwitz, vão estar mais de 150 s0breviventes a participar na comemoração do fim deste pesadelo. Entre eles estará Anna Stachowiak, na altura uma criança. Originária de Poznań, viu-se obrigada a fugir para Varsóvia com a mãe e os irmãos após o massacre de Katyń, onde o pai foi assassinado. Viveram numa casa em Ochota, de onde pouco saíam e quase não se afastavam. Anna tinha uns 6 anos e ia-se familiarizando com a guerra. Ouvia as conversas dos adultos e sabia o que podia ou não fazer. Nas ruas volta e meia os soldados nazis apanhavam pessoas para as levar para campos de concentração e tinham de ter cuidado com isso.
Durante a Insurreição de Varsóvia, como represália, os alemães prenderam muitos civis, entre os quais Anna e a família. Foram todos enviados para Auschwitz. À chegada foram separados; a mãe para um lado, o irmão para outro e Anna e a irmã para outro.
Auschwitz visto pelos olhos de uma criança é algo que impressiona. O testemunho desta senhora é incrível. Alguns meses depois, a mãe e o irmão partiram na chamada Marcha da Morte, parte do plano alemão para encerrar o campo antes da chegada dos russos. Dias depois, quando chegaram os soldados vermelhos, Anna e a irmã foram levadas para casa de uma prisioneira que morava nas redondezas, mas daí seguiram para o hospital de Cracóvia, tal era o seu estado. Aí permaneceram vários meses até ficarem bem. O que aconteceu depois não sei. Imagino que Anna tenha ido para a escola e tentado ter uma vida normal. Diz que durante anos não conseguia ouvir alguém falar alemão sem ficar afectada, até a nível de saúde. Agora, há já uns anos, conseguiu enfrentar os seus traumas e trabalha numa fundação que contacta com ex-prisioneiros de campos de concentração. E hoje vai lá estar, outra vez, a olhar para ao barracão onde passou tantos dias e tantas noites.
A mãe de Anna acabou por morrer na Alemanha, mas o irmão sobreviveu à guerra. Conseguiu estudar e arranjar trabalho. No entanto, o facto do pai ter morrido em Katyń prejudicou-o a nível profissional, pois os comunistas perseguiam todos os polacos patriotas, fossem membros da AK (resistência), familiares das vítimas de Katyń (afinal de contas, vítimas dos comunistas), membros da legião de Piłsudski, ou quaisquer outros que apoiassem a Polónia livre. O irmão de Anna acabou por não conseguir ter uma vida muito normal devido aos traumas que trouxe do tempo da guerra.

Esta é apenas uma de tantas e tantas histórias relacionadas com Auschwitz. Infelizmente a maioria delas não acaba tão bem como esta, tendo em conta que Anna e os irmãos sobreviveram. Lembro-me de ouvir contar na família do Staś de alguém que esteve num campo de concentração e que quando escrevia cartas à família não podia dizer que algo estava mal, então tinha de escrever com um certo código. Dizia que a comida era boa e coisas do estilo, que todos obviamente sabiam ser mentira. Certo dia, escreveu a perguntar como estava uma tal tia, pois tinha ouvido dizer que estava doente. Naquele momento a família percebeu que ele estava doente, pois não havia nenhuma tia com aquele nome (que, aliás, era o nome dele escrito no feminino). Felizmente foi libertado e voltou para junto da família. Dele ainda se guarda uma bolsinha que trouxe ao pescoço no campo de concentração, com relíquias de Santa Teresinha.

Hoje está frio e neva. Há 65 anos atrás, quando o Exército Vermelho entrou em Auschwitz, o dia também estava assim. Recordações tristes da história da Polónia e da Europa.

2 comentários:

Lígia Silveira disse...

Um comentário com sol de Inverno de Portugal... são histórias como essas que é preciso recordar e não calar... porque são ainda muitas a ameaças a que o mundo moderno assiste de outros holocaustos. Obrigada pela tua partilha...
A Internet tem destas coisas... não te via desde a Renascença, e com o facebook, descobri-te em Varsóvia.
Um beijinho
Lígia Silveira

mvs disse...

Olá Lígia! Que bom teres passado por aqui.
Concordo com o que dizes e acho que é por isso que os polacos recordam tanto todos estes momentos difíceis da sua história, sem lhes virar as costas.
Um beijinho com neve