quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Pianista

Durante a nossa estadia em Lisboa li o livro "O Pianista", que deu origem ao filme com o mesmo nome. Nunca tive coragem de ver o filme, pois achava que seria demasiado brutal e forte. A minha cunhada, que me emprestou o livro, preveniu-me logo que era intenso. Mas mesmo assim eu quis ler.
A história é contada na primeira pessoa. O pianista polaco Władysław Szpilman escreveu-o pouco tempo depois de terminar a Segunda Guerra Mundial. É a sua experiência pessoal, tudo aquilo por que passou. E, como já esperava, a história é impressionante. Não se trata de nenhum herói incrível da guerra, mas de um homem normal, como tantos outros, judeu, que lutou pela sua sobrevivência até ao limite. Só que ele, ao contrário de tantos, conseguiu sobreviver. Como refere o alemão que o encontra quase no fim da guerra, Deus quis que ele sobrevivesse. Depois de ler o livro, não consigo mesmo arranjar outra explicação para além desta.
Ontem decidi ver o filme; agora que já conhecia a história não haveria de causar tanto impacto. Apesar do excelente desempenho do actor principal (que até lhe valeu um oscar), devo dizer que fiquei desiludida. Normalmente isto acontece quando se lê um livro e depois vê o filme. Mas o que me irritou é que apresentavam muitos factos incorrectos, como por exemplo, certas situações que Szpilman observou apareciam no filme como tendo-lhe acontecido a ele. Enfim, não vou descrever todas as incoerências. Apenas queria dizer que o livro é incomparavelmente melhor que o filme (apesar do filme também ser bom... só não é lá muito verdadeiro).
Para mim, a leitura foi particularmente interessante pelo facto da história se passar em Varsóvia. Szpilman vai descrevendo locais, referindo ruas, cinemas, sítios que sei onde são! Fala do centro e de Mokotów, um bairro que conheço bem. Gostei também muito de ver um pouco como era a vida na cidade naquele tempo, antes e depois da guerra. Szpilman conta algo que eu já tinha ouvido dizer: que Varsóvia era uma cidade vaidosa, cosmopolita, elegante e com boa vida social. Depois, vai descrevendo a transformação gradual a partir do momento em que os nazis a ocupam. Como judeu que é, Szpilman vai seguindo as restrições que a pouco a pouco vão sendo impostas a esta comunidade. Mais tarde, já no gueto, mostra com grande realismo como se vivia ali. Algo que sempre me intrigou foi o facto de haver pessoas que viviam normalmente em Varsóvia durante estes anos mais terríveis. A partir da fuga do gueto, Szpilman aqui e ali vai deixando uns lamirés sobre isto. Ao descrever a sua situação e o que ia observando pela janela e dentro dos prédios, pode-se perceber um pouco como viviam os polacos "arianos", que podiam viver normalmente nas suas casas. Até ao momento em que começou a Insurreição de Varsóvia, quando todos (ou quase todos) fugiram. Szpilman mostra a verdade nua e crua, sem fantasias nem acusações, e conta como havia diferentes tipos de judeus no gueto, desde os que viviam como lordes no meio da miséria dos outros, até aos que colaboravam com os nazis e colaboraram na deportação e assassinato de muitos. Refere também a chegada de tropas de ucranianos e como estes eram sanguinários. Disto já tinha ouvido alguns polacos falar (até dizem: como é que se explica que nos territórios da Ucrância que pertenciam à Polónia não existe praticamente ninguém etnicamente polaco? Foi uma chacina desgraçada... Mas disto falarei noutra altura). O que não sabia é que também havia tropas lituanas que agiam da mesma maneira. Quereriam eles vingar-se dos polacos por estes possuírem terras que eles consideravam suas?
O que gostei neste livro é o estilo natural com que foi escrito. Não nos apresenta um ponto de vista histórico nem tendencioso. Aliás, quando foi publicado pela primeira vez, teve alguns pormenores alterados, como o facto de Szpilman ter sido ajudado por um alemão (na primeira edição aparecia austríaco). Depois, chegou mesmo a ser proibido pelos comunistas e só nas últimas décadas é que voltou a ser publicado, desta vez na versão original. Recomendo sinceramente, vale a pena ler.

Fotos: A primeira foi tirada em 1946 e a segunda em 1942, para o documento de identificação obrigatório durante a ocupação nazi.

1 comentário:

Margarida Elias disse...

Fiquei com curiosidade de ler o livro. Vi o filme e gostei muito.