quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A religiosidade dos polacos

No que diz respeito à sua religiosidade, a Polónia é um país com aspectos interessantes.

1. Tendo-se convertido ao catolicismo bastante cedo e lutado com garra por ele (pode-se dizer que, graças aos polacos, a Europa não é muçulmana), foi no entanto um país tolerante, que desafiou o Santo Ofício ao receber judeus fugidos de todas as partes da Europa. Isto fez com que a população judia na Polónia fosse, de facto, muito numerosa. Para além disso, na zona oriental da Polónia há também um grande número de pessoas que praticam o cristianismo Ortodoxo, sendo possível encontrar em diversas cidades e vilas templos desta religião (que são lindíssimos). A propósito disto, tenho uma amiga que é de uma cidade nessa zona oriental da Polónia (chamada Podláquia), onde se celebravam tanto os feriados católicos, como os ortodoxos. Certa vez, a falar com o seu futuro marido (que era de outra cidade, mais perto de Varsóvia), percebeu que ele não celebrava as festas ortodoxas e ficou horrorizada. Só depois percebeu que, em geral, na Polónia não se celebram esses feriados, apena nas zonas onde há grande população ortodoxa (precisamente onde ela cresceu).

2. Durante os tempos da Cortina de Ferro, nos países dominados pelo comunismo havia muitas restrições à vida religiosa. Excepcionalmente, a Polónia era o único país onde era permitido ir à Missa e participar em práticas religiosas. Em países como a Checoslováquia isso não era possível e de tal modo quiseram destruir a religião, que hoje em dia mais de 90% dos checos se consideram ateus. O meu primeiro professor de polaco contava que, durante a Guerra Fria, foi uma vez com uns amigos a um dos países comunistas (seria a Hungria?) e no Domingo quiseram ir à Missa. À porta da igreja encontraram soldados que lhes pediram identificação. Ao verem que eram polacos, deixaram-nos entrar. No entanto, não muito longe deles ia um grupo de raparigas jovens que tinha o mesmo plano. À entrada do templo foram barradas e não as deixaram entrar. Para além dos polacos, só deixaram entrar pessoas idosas. Na Polónia não era assim, de todo. O que não significa que não houve perseguições; muitos padres foram assassinados e o Cardeal Wyszynski (Primaz da Polónia) esteve vários anos preso, porque não queria colaborar com o regime*. Ou seja, havia liberdade até certo ponto. Lembro-me aqui de um episódio de uma réplica do ícone da Virgem Negra de Czestochowa que andava a circular por vários locais; uma espécie de peregrinação da imagem. Os comunistas não acharam piada e confiscaram o quadro. As pessoas não gostaram e resolveram continuar a fazer o mesmo, mas com a moldura, que eles tinham deixado para trás.

3. Apesar dos comunistas permitirem o culto religioso, não gostavam da ideia de se construírem igrejas novas. Um exemplo clássico disto é a igreja de Nowa Huta, um bairro operário construído em Cracóvia, no tempo de Karol Wojtyla. Os comunistas fizeram-no um "bairro exemplo" e, como tal, não tinha igreja. As pessoas não acharam piada e resolveram construir a igreja com as suas próprias mãos. Durante meses, à noite, começavam a colocar os fundamentos e de manhã chegavam as milicias e destruíam tudo. Foi um longo jogo de persistência até que os comunistas se renderam ao facto de que ali teria de haver uma igreja. Mas isto não aconteceu apenas em Nowa Huta. Em Ursynów, onde moro, também há histórias destas, sendo a mais impactante a da antiga paróquia do Stas, onde a Teresa foi baptizada. Mas isto hei-de contar noutro post.

4. Como a Polónia foi um país muitas vezes atacado - e até dominado - pela Rússia, ou Prússia, por estes serem países de religiões diferentes e que nem sempre se mostravam tolerantes ao catolicismo, a fé dos polacos foi muito associada ao patriotismo, pois os invasores roubavam-lhes a pátria e a religião. E o que acontece quando as pessoas são atacadas ou perseguidas? A sua fé torna-se mais forte, daí que a Polónia seja conhecida por ser um dos países mais católicos da Europa (apesar da tendência parecer estar a inverter. Agora que não há comunismo, há várias pessoas que professam os seus ideais e, por isso, são anti-igreja).

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* Quanto foi preciso nomear um bispo para Cracóvia, o governo pediu ao Cardeal que lhe entregasse uma lista com os padres que achavam bons para aquele cargo, postos por ordem de importância. Sabendo como o governo agia, o Cardeal resolveu escrever no fim da lista o nome de Karol Wojtyla, sendo que era esse que ele queria para ocupar esse cargo. Os comunistas, achando que o Cardeal não gostava dele, disseram que era aquele que devia ser nomeado bispo. O Cardeal fez cara de poucos amigos, mas fingiu estar a obedecer às ordens. Mais tarde, durante o tempo de episcopado de Karol Wojtyla em Cracóvia, o governo procurou sempre semar a discórdia entre ele e o Cardeal Wyszynski e passar a falsa imagem de que eles se odiavam. O que não era verdade.

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